domingo, 17 de junho de 2018

O ICMS E UMA REFORMA TRIBUTÁRIA CADA VEZ LONGE DEMAIS


PARODIANDO O QUE HENRI LEFEVBRE* DISSE SOBRE A QUESTÃO URBANA, A DISCUSSÃO SOBRE A QUESTÃO DA TRIBUTAÇÃO E SUAS MÚLTIPLAS TENTATIVAS DE REFORMAS É TÃO IMPORTANTE, MAS TÃO IMPORTANTE MESMO, QUE ELA NÃO PODE FICAR RESTRITA, TÃO-SOMENTE, NO ÂMBITO DOS JURISTAS, ECONOMISTAS, CONTADORES, EMPRESÁRIOS, ETC.. 

DEVEM, POIS, ENGAJAR-SE NOS DEBATES TODAS AS PROFISSÕES E ATIVIDADES QUE, EM SUA ABRANGÊNCIA, ALCANCEM ASPECTOS SOCIOECONÔMICOS, COMO OS ANTROPÓLOGOS, SOCIÓLOGOS, ASSISTENTES SOCIAIS, ENFIM TODA A SOCIEDADE.


Em 1987, no tempo das Comissões Temáticas que antecederam a Constituinte, tive uma conversa com o jurista e tributarista Ives Gandra da Silva Martins, na qual ele me disse que seus argumentos e horas de muita conversa com sugestões para o novo Sistema Tributário que viria com a Constituição, parece que entravam por um ouvido e saiam por outro.

O ICMS, SUCESSOR DO ICM

No sistema tributário introduzido pela Constituição de 1988, os Estados e DF ganharam cinco novas incidências tributárias, agregadas ao antigo ICM, provenientes da extinção de tributos federais que incidiam sobre as áreas de mineração, telecomunicações, energia elétrica, combustíveis e transportes intermunicipais e interestaduais.

Paralelamente à essas cinco novas fontes de arrecadação, as unidades da Federação foram aquinhoadas, também, com uma nova incidência sobre a exportação de parte dos produtos industrializados (antes totalmente imunes à tributação), a ser definida pela legislação complementar conceituados como produtos industrializados semielaborados. Certamente, os estados eminentemente exportadores teriam, com essa nova incidência, uma importante fonte de arrecadação.

Com isso, os Estados e o DF foram, na verdade, contemplados com seis novas competências para tributar, sendo plausível que com esse verdadeiro "sangue novo" houvesse um substancial aumento nas suas receitas tributárias.

Por óbvio, que no primeiro ano de implantação do novo sistema tributário, não se poderia dimensionar a totalidade dessa injeção de novos recursos, pelo fato da nova sistemática ter sido iniciada em 01 de março de 1989, conforme expressamente prevista na nova Carta Magna, sendo que algumas incidências só foram, efetivamente, implantadas a partir de junho daquele ano, a exemplo da atividade de navegação, sobre a qual inexistia a incidência anterior de tributos federais.

Mas, retornando à conversa havida com o jurista Ives Gandra, dissera ele: 

"A União está abrindo mão de cinco tributos federais, em favor dos Estados e DF. No entanto, está deixando um mecanismo em que vai pegar tudo de volta e ainda com incomparável vantagem".

Falava ele do art. 195 da CF que possibilitava a instituição das chamadas "contribuições sociais", estas fora da obrigação de repartição das receitas com as demais unidades da Federação.

Quanto ao nascente ICMS, nos anos de 1990 e 1991, a receita tributária refletiu, em todos os estados e no DF, resultados favoráveis em sua arrecadação. 

Parecia que tudo iria bem. Afinal, a carga tributária tinha apenas se redistribuído, pois o que antes era arrecadado pela União, agora seria pelos Estados e DF. Pelo menos parecia isso.

Mas a "face perversa" que toda realidade comporta estava apenas a caminho e passaria pela ciência da administração tributária ou por sua ausência, mercê da não utilização de todos os mecanismos e possibilidades previstos na legislação estrutural do referido imposto, com vistas a uma necessária e indispensável equalização de sua carga tributária, com a aplicação racional e calibrada da diversificação de suas alíquotas, posteriormente, excessivamente majoradas, justo sobre atividades que deveriam ter menor impacto tributário, por sua configuração como mercadorias e serviços essenciais, além da distorção dos institutos e conceitos inerentes ao referido tributo estadual, que levaram a uma indevida deturpação de sua natureza Constitucional.

Por fim, face ao complicador da excessiva complexidade de sua normatização infra-constitucional, além de constituir farta munição para uma quase suicida Guerra Fiscal Federativa, burocratizou-se demasiadamente a relação fisco-contribuinte no cumprimento das chamadas obrigações acessórias, com um quase insuportável custo para os contribuintes.

E de quebra servindo de pedra no caminho de qualquer entendimento para uma racionalização ou reconfiguração tributária, que não poucos ainda insistem em cognominar de "reforma", um desgastado termo que se traduz mais para "remendo" em um tecido jurídico que já requer uma verdadeira reconstrução, tal o estrago já feito.

No junho de 2018

Aurelino Sousa dos Santos Júnior
Advogado especializado em Direito
Tributário pela FGV-RJ   


* https://henrilefebvre.blogspot.com/


P. S.  


REFLEXÃO JURÍDICA DA TRIBUTAÇÃO

 É claro que em todo sistema tributário existem questões polêmicas, nas quais se discute se há ou não incidência do tributo ou se a sua base de cálculo é a prevista ou não na legislação, se cabem exclusões, deduções, etc.. No entanto, as que dizem respeito à tributação municipal são mais centradas em situações jurídicas conceituais, sendo que na tributação estadual é que se tem encontrado mais questões que se afastam do plano conceitual para trilhar em direção à tributação abusiva.

Temos como grande exemplo disso, o uso distorcido dos princípios constitucionais da "seletividade" e "essencialidade", no ICMS, que deveriam ser, obrigatoriamente, utilizados para moderação da tributação em produtos essenciais e nunca para elevação excessiva das alíquotas, como ocorreu na tributação da energia, combustíveis e telecomunicações, criando pesados custos a todos nós, sejamos pessoas físicas ou jurídicas.

Mas nesse campo não há espaço para "aventuras", seja por parte do contribuinte, como da própria administração tributária, pois o preço, ou seja, a conta que a "realidade" sempre apresenta, é amarga por demasia.

Durante a forte retração de consumo havida na crise de 2008/09, houve redução significativa das receitas tributárias vindas dos setores de energia, combustíveis e telecomunicações, das quais a maior parte dos Estados criou forte dependência, justamente, pelo fato de terem elevado as alíquotas de 17% para 25% e 30%, isso com a temerária postura de não terem procedido nenhum estudo do impacto que adviria na teia econômica.

Aí ficava a pergunta: "com a queda da arrecadação nesses setores, embora episódica, face à citada crise, o que fazer? uma vez que não daria mais para usar a mesma fórmula e majorar as alíquotas do ICMS para 45%".


Que o diga a CURVA DE LAFFER.