OBSERVATORIUM ASJ
A revogação do artigo 91 do ADCT - Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, objeto da presente abordagem, deu-se por um acordo entre a União e o Fórum Nacional de Governadores, no âmbito da ADO-Ação Direta de Inconstitucionalidade por Omissão nº 25 STF, impetrada pelo Estado do Pará, com o escopo de encerrar uma verdadeira queda de braço Federativa, pela sempre reclamada justa compensação financeira, em razão da desoneração tributária nas exportações, que já apontava perdas bilionárias na arrecadação do ICMS, embate esse, que já se avizinhava dos vinte e quatro anos, tempo em que muitos Projetos de Leis Complementares e de Emendas Constitucionais, já desfilavam em intermináveis dicussões legislativas, nos governos, nas entidades empresariais e nos pareceres de muitos especialistas e até curiosos na matéria.
No entanto, tal Acordo, para alguns Estados, configurou uma verdadeira capitulação, principalmente, para a Unidade da Federação que provocou o STF, com vistas a que o referido art. 91, do ADCT, fosse finalmente regulamentado, com a definição de critérios permanentes e factíveis, para a efetiva compensação financeira pela desoneração tributária nas exportações (a tal Lei Kandir), mas que, na realidade, sua consecução, resultou em valores muito aquém das efetivas perdas de arrecadação do ICMS, notadamente para os Estados superavitários nas exportações, sendo que tais compensações, foram pactuadas para ressarcimento em dezessete anos, sem nenhuma atualização monetária.
Ademais, dentre as condições desse acordo/capitulação, com a revogação do citado dispositivo do ADCT, ocorreu a
eliminação da condicionante de que os Estados e DF viabilizassem, sem
restrições, o efetivo aproveitamento dos saldos credores do ICMS, das empresas
exportadoras, conforme disciplinada no caput do artigo revogado.
Por outro lado, mesmo com essa danosa revogação, que feriu o interesse das empresas exportadoras, em lograr efetivamente aproveitar seus créditos acumulados do ICMS, sempre reclamados, o referido
Termo de Acordo foi, talvez por desconhecimento dessas nuances,
alvissareiramente festejado, até por entidades representativas de exportadores.
A IMPORTÂNCIA DAS DISPOSIÇÕES DO ART. 91 DO ADCT E AS CONSEQUÊNCIAS DE SUA REVOGAÇÃO.
Como se depreende das disposições contidas no referido
artigo do ADCT, agora revogado, pela Emenda Constitucional 109, de 15 de março de 2021, havia definições de critérios, bem estruturados, que
poderiam ser utilizados para uma distribuição isonômica, entre os entes federativos, da
compensação financeira pela desoneração tributária nas exportações.
Tais critérios eram:
1. As exportações para o exterior de produtos primários e
semielaborados;
2. A relação entre as importações e as exportações;
3. Os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao
ativo permanente, e
4. A efetiva manutenção e aproveitamento do crédito do
imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a.
EQUALIZAÇÃO E ISONOMIA NA PARTILHA COMPENSATÓRIA
Os quatro critérios, que estavam previstos na citada Norma Constitucional,
guardavam intrínseca relação com diferentes situações concretas que afetavam e ainda afetam os Entes Federativos exportadores, bem como em relação ao próprio fomento das atividades exportadoras.
No entanto, havia que se ter a devida cautela na sua
aplicação, que deveria ser de forma equilibrada ou equalizada, a fim de que não
ocorressem distorções na distribuição dos valores da compensação financeira pela
desoneração tributária das exportações, com prejuízo para a própria finalidade dessa compensação, que visava ressarcir as efetivas perdas de arrecadação do ICMS não incidente nas atividades exportadoras.
O critério primeiro: "As exportações para o
exterior de produtos primários e semielaborados" visava atender, precipuamente, aos
Estados que detêm pouca atividade industrial de transformação ou nenhuma
industrialização e seu peso na distribuição seria tão maior, conforme esses
produtos ocupassem maior espaço na respectiva pauta exportadora.
O critério segundo: "a relação entre as importações e as exportações" referia-se, diretamente, ao superávit ou déficit dos Estados e Distrito Federal, nas trocas comerciais com o mercado exterior, dentro do escopo de que tanto maiores seriam as perdas, conforme maior expressão tivesse a atividade exportadora desonerada, uma vez que nas importações há incidência do ICMS e, nalguns casos, de forma bem expressiva, o que garantiria polpudas receitas tributárias que superariam, com vantagem, as perdas na exportação.
Em suma, quanto maiores fossem as exportações, em relação às importações, significaria que haveria maior desoneração, o que resultaria em menor
arrecadação tributária, justificando adequada compensação.
No sentido oposto, se as importações fossem maiores, ainda que as
exportações também tivessem um expressivo peso, a frustração de arrecadação, pela desoneração tributária, seria superada pelos
ganhos havidos na arrecadação do ICMS incidente sobre as entradas de
mercadorias importadas.
Daí a capital importância de que o peso na
distribuição desse requisito fosse maior que os demais, de maneira que as perdas dessas Unidades Federadas, consideradas, eminentemente, exportadores fossem, de fato, efetivamente, ressarcidas.
O critério terceiro: "os créditos decorrentes de aquisições destinadas ao ativo permanente" relacionava-se, diretamente, com os Entes Federados que detivessem, em sua pauta de exportação, maiores percentuais de produtos industrializados, face à maior demanda de bens do ativo imobilizado (máquinas e equipamentos industriais)
Nessa distribuição, por esse critério, o peso percentual
a ser atribuido, deveria ser, exatamente, igual ao que fosse dado para o requisito do primeiro critério (primários e semielaborados).
O critério quarto: "a efetiva manutenção e
aproveitamento do crédito do imposto a que se refere o art. 155, § 2º, X, a"
é o único que nada tem a ver com a forma de distribuição da compensação, mas
comportava um comando essencial para o desenvolvimento das atividades
exportadoras (alto interesse nacional) e, principalmente, para tornar completa a
desoneração tributária, que por determinação constitucional deve alcançar as
fases anteriores à exportação, de forma direta e indireta, pois tais créditos resultam das aquisições no mercado interno
de matéria-prima, material de embalagem e produtos secundários (que no IPI
corresponde aos produtos intermediários) utilizados nos produtos exportados e, por isso, devem ser mantidos na escrita fiscal para encontro com débitos e ressarcidos, no caso de saldos credores, podendo ser utilizados para pagamentos de outros débitos tributários do próprio estabelecimento, outros estabelecimentos da mesma empresa, transferidos para terceiros ou ressarcidos em espécie.
O aproveitamento desses créditos, inclusive sua
transferência para terceiros, tal como previsto na lesgislação tributária
cumpre de forma efetiva a desoneração tributária dos impostos não cumulativos e
contribui, sobremaneira, para o fomento da competitividade de nossos produtos no mercado
externo, configurando questão de alto interesse para a economia nacional.
No entanto, na prática, tal direito dos exportadores não tem
sido atendido, havendo por isso excesso de saldos credores, o que não é
interessante para a própria economia do Estado exportador, pois seu aproveitamento poderia ser na aquisição de insumos, máquinas e equipamentos, etc., utilizados na atividade produtiva exportadora.
Portanto, tendo em conta que um dos principais pretextos,
alegados pelos Estados, para não adimplir esse direito dos exportadores sempre foi a tal perda de arrecadação, jamais compensada pela União, o legislador
Constitucional houve por bem inserir esse requisito, que poderia ser uma importante condicionante para o
recebimento da compensação financeira das perdas de arrecadação, sendo que cumpriria à Lei Complementar do ICMS (no caso, a Lei Kandir), conferir determinância e efetividade à faculdade estabelecida na Carta Magna.
TERMO DE ACORDO ADO 25 STF - LEI KANDIR
Fac-símile parcial
No bojo da proposta do Fórum Nacional de
Governadores, homologada pelo STF na ADO 25 (Cláusula Quarta), foi inserida a condição de,
simplesmente, revogar o já referido art. 91 do ADCT.
Como o acordo aprovado previa o pagamento de valores pré-fixados, entre os anos de 2020 a 2037, tendo utilizado percentuais fixos constantes de uma tabela anexa, válidos para 50% do total a ser compensado e para os outros 50%, a utilização de requisitos constantes do Protocolo CONFAZ ICMS 69, de 4 de julho de 2008 ( https://www.confaz.fazenda.gov.br/legislacao/protocolos/2008/pt069_08 ), nada mais condicionando para o pagamento, por óbvio que havia uma preocupação com futuros questionamentos, que poderiam advir, assentados nas disposições e requisitos do citado art. 91 do ADCT.
De quebra e, principalmente, quanto à
condição dos Estados e DF. adimplirem os saldos credores dos exportadores.
Sintetizando, o art. 91 do ADCT, dentre outras
disposições nele constantes, previa que a compensação financeira aos Estados e D.F., pelas
perdas de arrecadação do ICMS, em razão da desoneração tributária nas
exportações, inicialmente prevista na Lei Complementar nº 87/1996 (Lei
Kandir), depois constitucionalizada pela Emenda Constitucional nº 42/2003,
poderia ficar condicionada ao efetivo aproveitamento, pelos exportadores, dos
saldos credores do imposto, gerados pelas suas aquisições no mercado interno.
Afinal, os Estados sempre alegaram que o aproveitamento desses
créditos, pelos exportadores, inclusive para transferência a terceiros comprometeria seus
orçamentos, em razão das perdas de arrecadação nas exportações não compensadas
pela União.
No entanto, não configura excesso reenfatizar que no acordo/capitulação, homologado no STF (ADO 25), elaborado
pelo Fórum Nacional de Governadores, havia a proposição de que o citado art.
91 do ADCT fosse, simplesmente, revogado.
Consumada tal pretensão, mediante o art. 6º da já referida Emenda Constitucional nº 109/2021, tornou-se, sobremaneira, bem mais
difícil a solução desses créditos acumulados do ICMS o exportadores, que, pelo decurso do tempo, caminharão, inexoravelmente, para a prescrição, consolidando um colossal
prejuízo para o setor exportador e por conseguinte, também, para o o próprio interesse
econômico nacional, em impulsionar a competitividade dos produtos brasileiros no
exterior.
E.C.109/2021( https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/emendas/emc/emc109.htm )
Contraditoriamente, vale mais uma vez destacar, em que pese essa real possibilidade
de graves perdas financeiras pelo setor exportador, o referido acordo foi
festejado em alguns estados, inclusive, talvez, inadvertidamente, até por entidades
empresariais, numa manifesta falta de melhor conhecimento sobre a complexidade da matéria tributária.
REAÇÃO, AINDA QUE TARDIA, EM CONDICIONAR O PAGAMENTO DA COMPENSAÇÃO DA LEI KANDIR, AO EFETIVO APROVEITAMENTO DOS CRÉDITOS ACUMULADOS DO ICMS, PELOS EXPORTADORES
Recentemente, decorridos quase três anos da expressa pactuação pela revogação do art. 91 do ADCT (Fórum Nacional dos Governadores) e neste 15 de março de 2023, exatos dois anos da revogação desse dispositivo, pela já referida Emenda Constitucional nº 109/2021, está havendo uma ainda pálida mobilização, com vistas a levar ao Supremo Tribunal Federal essa, antes tão olvidada questão, com a pretensão de condicionar o pagamento aos Estados e DF, da compensação financeira da Lei Kandir, que está sendo efetuado em parcelas anuais, ao efetivo aproveitamento, pelos exportadores, dos créditos acumulados do ICMS.
Link de notícia pertinente:
Exportadores querem levar a STF disputa bilionária da Lei Kandir
Enviado Sexta, 17 de Março de 2023.
https://sinfrerj.com.br/conteudo/3063/exportadores-querem-levar-a-stf-disputa-bilionaria-da-lei-kandir
LEGISLAÇÃO & PRESTAÇÃO JURISDICIONAL
Após muitas tratativas dos interessados, nas áreas públicas e privadas, quanto à questão dessa compensação financeira, pelas alegadas perdas tributárias nas exportações, bem como para que o aproveitamente dos saldos credores, dos exportadores tivesse efetiva fluência, chegou-se à formatação estatuída pela Emenda Constitucional nº 42/2003, com os ditames do agora revogado Art. 91 do ADCT.
Enfim, após lograr-se obter uma disciplina legal pertinente ao caso, abre-se mão dela, num acordo açodado, no qual os Estados superavitários no Comércio Exterior, alguns eminentemente exportadores, que justo por essa condição, perdem bem mais arrecadação, foram os menos compensados nessa partilha e, por consequência, disporão de menores recursos para viabilizar o efetivo aproveitamento dos créditos pertencentes aos exportadores, que agora, somente agora, parecem ter despertado de uma espécie de letargia que os acometeu, durante a consecução dessa desigual divisão, dita compensatória, tendo o setor exportador, ao que parece, finalmente, despertado, para buscar no Poder Judiciário um direito cristalino, albergado na Carta Magna, mediante a proposição de uma condicionante em vincular a liberação da compensação paga aos Estados e DF., pela União, ao efetivo aproveitamento dos referidos créditos, condicionante essa que, surpreendentemente, deixaram escapar, na atropelada revogação do art. 91 do ADCT.
Diante desses cenários, a questão se resume em como se posicionará nossa Suprema Corte.
Nessa questão do aproveitamento dos saldos credores do ICMS, pelos exportadores, muitos Estados criaram alternativas interessantes, direcionando e priorizando sua liberação para compensar e até transferir para terceiros, vinculando à destinações específicas.
Embora essas restrições não estejam legalmente autorizadas, feitas de forma opcionais, afiguram-se melhores do que nada.
O tema em referência não se encerra nos aspectos abordados, comportando muitos desdobramentos e variantes, daí merecer uma continuidade.
Abril/2023
ASJ
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