Originariamente publicado em:
http://jus.com.br/revista/texto/2279/o-poder-tributante-e-o-primado-do-direito
O poder tributante e o primado do direito
Aurelino Sousa dos Santos Júnior
Elaborado em 06/2001.
A humanidade, ao longo de sua evolução histórica, tem
registrado uma constante, ferrenha e incansável luta na sempre árdua tentativa
de submeter o poder dos governantes ao primado do direito.
A imposição tributária e o poder absoluto dos governos já
trilharam, no passado, caminhos inseparáveis. Porém, desde o ano de 1215, no
reinado de João-Sem-Terra, na velha Inglaterra, germinou o embrião que tornaria
completamente inaceitável a tributação desmesurada e sem as rédeas da lei.
Naquela época, o Rei, que tinha o poder de vida e morte
sobre os seus súditos, detinha, também, o poder absoluto de tributar. Desde
aquele tempo, no entanto, nada sufocava mais o súdito comum do que os efeitos
danosos da tributação abusiva que, no dia-a-dia, incomodavam e comprometiam,
não raras vezes, a sua própria subsistência.
Tanto foi que, dentre as principais disposições limitadoras
do poder real, contidas na legendária Carta Magna de 1215 D.C., foram incluídas
as primeiras restrições ao poder de tributar.
Essa verdadeira conquista da civilização, sintetizada mais
tarde na expressão "no tributation without representation",
traduziu-se, inequivocamente, em dos pilares fundamentais da formação do Estado
Moderno, que juntamente com a divisão tripartite dos poderes, de
"Montesquieu", sob a égide da lei, legou aos governados
(representados) o direito de retirar das mãos do poder que gasta, a capacidade
ilimitada de arrecadar.
Entretanto, tanto lá como cá, seja no passado ou no
presente, sabe-se que, raramente, o poder governamental procura adequar a sua
despesa ao que arrecada, coibindo primeira e tenazmente o desperdício, a
incompetência na administração dos recursos e até mesmo a sua malversação.
Freqüentemente, pois, tende a buscar, somente, na majoração dos gravames
tributários, a única alternativa para o seu incontrolado dispêndio. Dentro dessa ótica, que afeta a maioria dos
governantes, desde tempos remotos, residem as principais distorções na
distribuição da sempre crescente e sufocante carga tributária.
Os governantes, ao invés de procurar ajustar seus orçamentos
e otimizar os mecanismos de arrecadação, de forma que se inibam, efetivamente,
as práticas de sonegação - muitas de todos conhecidas - preferem inflar o
"bolo" tributário com a adoção de medidas que, não raras vezes,
agridem a própria natureza constitucional da figura tributária ou mediante a
instituição de novos tributos e contribuições que se superpõem em sua base de
incidência.
Assim, ainda hoje, pode-se constatar que nada oprime e
angustia mais o cidadão comum, do que os efeitos sempre nefastos de uma
excessiva carga tributária que, invariavelmente, distorcida em sua
distribuição, desrespeita a capacidade contributiva e transmuta-se num
verdadeiro confisco, abatendo-se, injusta e pesadamente, mais sobre uns do que
sobre outros.
Essa gritante distorção na distribuição da carga tributária
somente favorece aos sonegadores profissionais que se beneficiam da fragilidade
dos mecanismos de arrecadação e fiscalização, bem como da locupletação de maus
servidores públicos. Enquanto isso, a cada novo tributo ou contribuição que
surge, reiteram-se os mesmos já desbotados argumentos de que há inadiável e
imprescindível necessidade de se fazer frente às despesas que se avolumam e
para as quais as receitas auferidas jamais são suficientes.
Paralelamente aos motivos de ordem econômica, com ares quase
apocalípticos, tenta-se sempre relegar a segundo plano os princípios e
fundamentos da Lei Maior. Porém, na medida em que o clamor dos representados
torna-se caudaloso e encontra abrigo entre os detentores mais esclarecidos do
Poder Fiscalizador das Leis, procura-se passar à opinião pública a idéia
corrompida de que é indispensável mais uma reforma na Constituição. Surgem
então inúmeras propostas de ajustes, que não tem outro objetivo, senão o de
abarcar fatias cada vez maiores de incidências tributárias, tornando mais
injusta a distribuição da carga decorrente.
Essa distribuição mais justa da carga tributária, deve
sempre levar em conta, primeiramente, a real capacidade contributiva dos
governados e não, simplesmente, a capacidade de arrecadação da máquina estatal
que como braço do poder que gasta, no cumprimento de sua função, termina por
relegar o contribuinte à mera condição de dado estatístico nos mapas de arrecadação.
Finalmente, retornando-se à conquista que se originou
naquele longínquo ano de 1.215 D.C., em nome da independência e da harmonia
entre os Poderes, deve-se resgatar o inarredável compromisso com a cousa
pública e o chamado bem comum, retirando-se, efetivamente, das mãos de quem
gasta, o ilimitado poder de arrecadar.
Dessa forma deve-se legar à Nação um Sistema Tributário
compatível com a sua realidade econômico-social, ampliando o universo de
contribuintes, numa distribuição mais justa da tributação, porém, efetivamente,
incluindo nesse universo os que, hoje, privilegiadamente, pagam bem abaixo de
sua real capacidade contributiva.
Nessa melhor distribuição, minorar-se-á a excessiva
concentração que hoje sufoca aos que já ultrapassam em muito os limites de tal
capacidade. Somado a isso, resta somente, priorizar a competência, a seriedade
e a eficiência na administração dos recursos, repelindo-se o desperdício e a
malversação.
Aí sim, com certeza, voltar-se-á a trilhar o caminho da
verdadeira modernidade, que, em última análise, somente torna-se válida se
resgatar ao hoje cidadão a sua inalienável condição de centro e razão de ser de
tudo.