Outro dia recebi um texto denominado “Força e Coragem”
Embora o autor do texto referisse, no final da reflexão, à figura do "verdadeiro cristão", eu acrescentaria "ao que consegue ser verdadeiro em qualquer das religiões e crenças do mundo".
Afirmo isso, pelo fato de ter constatado, pelo estudo comparativo que fiz em algumas religiões, a existência de uma essência comum à todas elas: a virtude.
A Doutrina Cristã é toda assentada na virtude e na fé. O Sermão da Montanha é um grande tratado de relacionamento humano.
Um dos pilares do Cristianismo é a eterna luta contra o egoísmo, mas somente quem aprende a conhecer a si próprio pode primeiro pensar no próximo e no lugar dele colocar-se, para entender que o mal que não deseja para si não poderá desejar ao semelhante. Essa é a essência do amar ao próximo como a si mesmo.
Esse texto lembrou-me o que li sobre o Mahabbarata, que é um épico indiano, escrito em sânscrito, que ao lado do Ramayana integra a verdadeira essência da herança cultural da Índia.
O Mahabbarata narra a disputa entre duas dinastias (Os Kurus e os Pândavas) e sua grande e aterradora batalha final.
No épico, a disputa é narrada, não somente pelo desenrolar dos fatos, mas também pelo seu conteúdo moral. Diferente da nossa visão ocidental, que atribui às causas de conflitos bélicos, geralmente disputas geográficas, fomes, secas e interesses econômicos, a obra traduz os eventos do conflito como resultante da observância ou não aos princípios morais.
O grande episódio da batalha final entre as duas dinastias - com 250 mil versos – denomina-se de Bhavagad-Gîtã e tem no seu epicentro um diálogo travado entre o guerreiro Arjuna e o Homem-Deus Krishna, que deve ser interpretado nos seus sete sentidos, sendo que o leitor deve esforçar-se por penetrar no seu mais profundo sentido interior ou espiritual.
Como era determinado pelo costume nas guerras, antes do início de qualquer batalha, constituía uma ação honrosa ficar frente-à-frente com o rosto do inimigo. No entanto, o guerreiro Arjuna, ao encarar seus inimigos, fica horrorizado e abalado por um insuperável desânimo, ao constatar que aqueles com quem iria combater eram as pessoas mais próximas de si, seus parentes e até aqueles que tinham sido seus melhores amigos. Afinal, todos aqueles que tinham contribuído, pela convivência, para o que Arjuna era.
Mas a guerra era, absolutamente, inevitável e o grande e honrado guerreiro estava ali, naquele momento, com a responsabilidade da decisão capital entre o que o ligava aos dois exércitos: de um lado, os Pândavas que representavam, na essência dessa grande Epopéia dos Hindus, as chamadas "forças superiores da alma" e de outro os Kurus que eram as "forças inferiores da alma".
Na verdade, prezados(as), o âmago dessa grande história do mundo, contada pelos Hindus, reside em uma essência que permeia diversas outras grandes obras e conceitos filosóficos, entre Ocidente e Oriente.
O drama de Arjuna configura o próprio drama cotidiando de todos nós. Constitui a grande luta interior do "conhece-te a ti mesmo", que integra os ensinamentos de Sócrates e perpassa pelas limitações de visão e de mundo que estão descritas no sempre atualíssimo "Mito da Caverna", de Platão e integra, também, a Encíclica Papal "Fides et Ratio" (Fé e Razão).
Prezados(as), a batalha descrita no Bhavagad-Gîtã, é, na verdade, a grande e constante "luta interior" que nos acompanha a vida inteira em nossas experiências e decisões:
O constante questionamento se em cada ação por nós praticada na defesa de nossos pontos de vista, impregnados ou contidos pela nossa visão de mundo, sempre parcial e limitada, estamos sendo justos ou não?
Sempre olhamos em volta de nós, através do mundo que entendemos e acreditamos pertencer, não conseguindo olhar por sobre a fronteira das nossas limitações e, frequentemente, nos recusamos sequer a pensar nisso.
Já se disse que nosso ponto de vista é sempre a vista a partir do ponto em que nos encontramos. E por isso será uma visão de mundo inevitavelmente parcial e limitada (Boff).
Por isso, o dilema de Arjuna nos acompanha a vida inteira. Como lutar contra tudo aquilo que foi e é o alicerce do que acreditamos ser?
Como desafiar aquilo que nos esmaga e nos empurra a ser, exatamente, do jeito que acreditamos que podemos ser?
Vencer a nossa "grande batalha interior", significa, não raras vezes, lutar contra o que nos sustenta. Mas vencer essa batalha, também, é absolutamente vital para sermos aquilo que realmente podemos e devemos ser: Pessoas melhores e mais justas.
Aurelino Santos Jr.
Dez/2013
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